overflowing lines
/linhas de transbordamento
playlist made for the As if radio.. COP26 Glasgow 31 OCT—12 NOV 2021
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text from 2011-2024
by Tassia Mila
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O conceito das Linhas de Transbordamento surgiu em 2010, durante uma tempestade que fez com que várias pessoas ficassem acampadas juntas, sob uma grande tenda de lona azul. Havia pouco espaço entre uma pessoa e outra neste acampamento, que eu chamei de um espaço-tempo em movimento.
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Porque o terreno da tenda azul, que a todos abrigava, era um tanto quanto íngreme, algumas pessoas que cuidavam da tenda, começaram a cavar fendas no terreno, criando canais por onde a água da chuva pudesse percorrer, como que caminhos para a água passar, e desta forma, não transbordaria para dentro da grande tenda.
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Foi quando me ocorreu pensar em linhas de transbordamento.
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Eu pensei que o transbordar precisa de linhas que lhe dê vazão.
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Pensei na natureza selvagem.
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Na natureza selvagem as linhas de transbordamento podem ser pensadas como o acontecer de um rio.
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Os rios são as linhas que geram e recortam um território e permitem o transbordar. Assim, caminhos são criados e abertos. Os rios estão ativamente conectados à vida cotidiana, provendo água às mais diversas necessidades vitais.
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Os rios desembocam nos mares e oceanos.
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Os rios são linhas de força da natureza e do que me ocorre chamar de Linhas de Transbordamento.
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Rios fluem para cachoeiras.
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As cachoeiras.
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Cachoeiras são como que pontos de encontro íntimo de um rio com as rochas, suas grutas e mistérios. As profundezas.
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Numa cachoeira, acontece um pico de energia, gerado pelo movimento da queda de água, capaz de ativar sentidos criativos.
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A natureza é arte.
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A arte é uma passagem para linhas de transbordamento.
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A arte é como, enquanto humanos, podemos ativar caminhos para o que nos transborda, dando-lhes sentido.
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O ser humano.
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O ser humano é natureza.
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E por ser natureza, o ser humano possui o que os filósofos Deleuze e Guattari chamaram de: Devir. Devir é vir a ser algo, tornar-se algo ao mesmo tempo em que se é também humano. Como se o corpo fosse uma espécie de encruzilhada que pode receber múltiplos devires. Devir-Jaguar, devir-pedra, devir-rio, devir-salamandra; Se uma salamandra pudesse cantar, como cantaria? Imagino uma salamandra cantando e canto como se fosse uma salamandra.
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Continuando com o devir e a imaginação, podemos considerar o que o xamã Yanomami Davi Kopenawa chama de segurar o céu, para prevenir uma desarticulação cósmica e evitar o fim do mundo. As sociedades ocidentais esqueceram que são natureza, colocaram-se como algo à parte dela. As sociedades indígenas sabem que são natureza.
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Ativar devires-natureza são formas de segurar o céu. Uma coruja observa a noite na floresta e diz algo no ar. E uso o verbo dizer para o som da coruja, porque ela também pode ser humana na cosmovisão indígena. Nesta perspectiva, os humanos, os animais, as plantas, os minerais, a água, etc., são todos capazes de atravessarem fronteiras e serem humanos também, são entes, tais como os humanos atravessam fronteiras e devires.
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E aqui há que se falar sobre o tornar-se humano, o devir-humano. Não tomemos como certo que ser humano está apenas ligado a ter nascido num corpo chamado humano. Há também um devir-humano que pode ser acessado e ativado, tanto para aqueles que nascem com o corpo humano, o totem humano, quanto para entes variados em outros totens e corpos.
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The concept of Overflowing lines came to me in 2010, during a storm that caused several people to camp together under a large blue canvas tent. There was little space between one person and another in this camp, which I called a moving time-space.
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Because the land of the blue tent, which sheltered everyone, was quite steep, some people who took care of the tent began to dig cracks in the ground, creating channels through which rainwater could flow, like creating ways to the water pass, and by doing that, it wouldn't overflow into the big tent.
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That's when occurred to me to think of overflowing lines.
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I thought that an overflowing needs lines that give it a passage through.
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I thought about nature, wild nature.
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In the wild nature, overflowing lines can be thought as the happening of a river.
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Rivers are the lines that generate and cut a territory and allow the overflow to happen. Thus, paths are created and opened. Rivers are actively connected to the everyday life, providing water for the most of vital needs.
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Rivers flow into seas and oceans.
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Rivers are power lines of nature and what I think of as Overflowing lines.
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Rivers flow into waterfalls.
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The waterfalls.
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Waterfalls are like the intimate meeting point of a river with rocks, caves and mysteries. The depths.
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In a waterfall, there is an energy peak, generated by the movement of the waterfall, capable of activating creative senses.
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Nature is art.
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Art is a passage trough to overflowing lines.
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Art is how as humans we can activate ways to what overflows ourselves, making sense of them.
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The Human being.
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The human being is nature.
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And by being nature, the human being has what the phylosophers Deleuze and Guattari would call: Devenir. Devenir is like becoming something of somewhat at the same time of being as well a human. Like the body is some sort of crossroads that can receive multiple “becomings” or “devenirs”. Jaguar-devenir, stone-devenir, river-devenir, salamander-devenir; If a salamander could sing, how would it sing? I imagine a salamander singing and i sing as if I am a salamander.
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Continuing with devenir and imaginations, we can consider what the Yanomami shaman Davi Kopenawa calls holding the sky, to prevent a cosmic disarticulation and avoid the end of the world. Western societies have forgotten that they are nature, they have placed themselves as something apart from it. Indigenous societies know that they are nature. I’m indigenous myself, from Brazil, and as someone transiting between worlds, the westernized urban world and the world of my ancestors, who sing me songs from elsewhere and remind me of other times, times when human beings and nature were part of a same landscape, happening together. In this landscape, I can access my bee-devenir, make honey with the bees and sing a song with them.
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Activating nature-devenir are ways of holding the sky. An owl watches the night in the forest and says something in the air. And I use the verb say for the sound of the owl, because it is also human in the indigenous cosmoview. From this perspective, humans, animals, plants, minerals, water, etc., are all able of crossing borders and being human too, just as humans cross borders and devenirs.
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And here we also can talk about becoming human, the human-devenir. Let us not take for granted that being human is only linked to having been born in a body called human. There is also a becoming-human that can be accessed and activated.